quarta-feira, 29 de maio de 2019

VIAGEM DE REGRESSO

Era um dia como outro qualquer
onde o sol preguiçosamente se ia erguendo
circulando no céu ao longo das horas
desenhando sombras e luzes
para deleite dos artistas e dos amantes da beleza
aquece ou escurece consoante as nuvens
que não fazem parte dele mas nelas se reflecte
até desaparecer de novo
por trás do horizonte, das casas, dos barracos
do monte
daqueles corpos que passeiam na margem
ou por detrás do mendigo
que no chão de cartão se acomoda
em imagens de claro escuro
numa despedida prolongada em tons de carmim
fazendo uma vénia à noite que chega
boémia, lunar, feiticeira
ou apenas escura como o breu
nem nos apercebemos, centrados em si mesmos
que somos nós que rodamos à sua volta
inflamados nos egos e em pensamentos vãos
e fazemos os dias;
não, todos os dias são diferentes
precisam de ser diferentes
e inesperados
precisam, ou cada um precisa
tu não sei,
eu preciso
que sejam deveras diferentes
flamejados, ousados, contrariados
vivos e livres afinal
procurando razões e vontades
de novos sonhos, de novas esperanças
de propósitos que tornem o vazio
num sentido, num rumo a tomar
e para não se morrer lentamente
passivamente
sentindo o dia, as horas e o tempo escorrendo;
morrer não é não acordar
é deixar passar o tempo na rotina
que trás melancolia e desalento
e revolta
é ir morrendo os momentos de cada hora
e cada hora, cada minuto
podem ter tantos momentos
e é lembrar os versos do trovador
“se algum dia te sentires triste
por nada teres que fazer
chora amigo, chora
que és mais triste do que eu”
por isso não chores, vive
e dá uma gargalhada ao sol
que importam os outros?

(29-05-2019)