terça-feira, 11 de dezembro de 2012

PALAVRAS DADAS


08-08-2012

De letras e acentos se formam palavras
Que articuladas a preceito
Transmitem ideias e o que se sente
Como nuns versos dum fado.
Nem sempre ditas com acerto
Podem tornar-se (mal)ditas
Palavras dadas ao desbarato
Sem exprimirem sentimento
São palavras vãs e vazias
Que o vento a todas leva
São pedras, são lanças, são balas
Que nem sempre se querem dar
Não se pára, não se pensa
Vêm com a raiva e o desvario
Com o ciúme e a obsessão
Com a mágoa ou o rancor
São marca de um momento
Que ficam permanentes e eternas
Em quem as recebeu e doeu
Talvez o tempo as dilua
Ou talvez a morte as leve consigo.
Palavras bem entoadas
Acompanhadas de colcheias e semi-colcheias
Formam belas melodias
Mas palavras dadas em contra-tempo
Perdem seu sentido e seu rumo.
Dependem muito as palavras
Da mente de quem as cultiva
Como um grito sereno e pacífico
De quem clama por ter um sonho
Pela igualdade e pelo homem livre
De preconceitos e de cor, raça ou credo.
Ou como a verborreia demente
Que arrasta multidões e fúrias loucas
Em delírio e intolerância
Que manipulam, agitam e exterminam
Tantos outros seres inocentes
Com a palavra dada se fizeram
Acordos, contratos e casamentos
Palavra nobre de honra e de ouro
Tantas vezes enxovalhada
Desprovida do seu valor.
De palavras dadas, ditas ou escritas
Se construíram doces amores
E tantas dadas a destempo
Esfumaram a esperança de um amor.
As palavras dadas ou soltadas
De nada valem isoladas
Se não forem  acompanhadas
Pelos gestos e atitudes que apregoam
Mais vale não dizê-las
E ao invés tomá-las.
Nem sempre as palavras dadas
São entendidas como rosas
Mesmo que tenham sido colhidas
No mais belo jardim
Com vontade e sem intenção 
Têm espinhos que assustam
Causam medo e receios
De outras palavras antes dadas
Por outras mãos e bocas
Pela dor que causaram.
Mas afinal...
Tal como as palavras dadas
Todas as rosas têm espinhos.


quinta-feira, 9 de agosto de 2012

QUANDO BATE A SAUDADE

Peculiar palavra que tanto exprime
O que vai na alma num momento
De lembrança fugaz ou teimosa
Que tanto pode ser de alento
Como de um longo tormento.
Decerto só a sente
Quem a alma tem quente
Naquele nó permanente
Cá bem dentro de nós
Que suspende a respiração.
Por vezes solta um suspiro
Outras, lágrimas em torrente,
Torna o peito ardente
Num fogo que alastra dormente
Nos olhos um brilho presente.

Saudade tantas vezes de ti meu velho
Que como num porto de abrigo aportava
Que tão bem os valores e princípios
Soubeste transmitir com teu exemplo,
Que em teus últimos momentos
Cobertos de dor e lamentos
Peguei em ti feito uma criança.

Saudades de vós quando rebentos
Daquelas horas ao adormecer
Contando histórias de fadas e príncipes,
Ou da fábrica de brinquedos
De chocolates e ilusões,
Cantarolando canções de embalar.

Saudades de ti e de ti
Ou daquele outro ou outra
Quantos sonhos feitos e desfeitos
Quantos projectos cumprimos
Outros ficaram pelo caminho
Mas seguimos nossos rumos
Sem mágoas, antes sorrindo.

Saudade que bateu naquela esplanada
Chegou bem de mansinho
Como querendo passar despercebida
Ao lembrar-me de ti num repente
Podias estar ali também, seria bom
Saboreando aquele final de tarde
A saudade assim é estranha, ou talvez não
Como a lembrança duma simples partilha
No gesto simples em comermos do mesmo prato,
Rindo dos olhares alheios.
Ou descansar deitados na relva,
Contemplando aqueles patos patudos.
É assim espontânea, desprendida.

Saudade não é saudosismo
É diferente, é sentimento
É saudável e é presente
O outro é passado que persiste
Que tolda a mente e não avança
Doentio e perverso
Não tem sentido nem nexo
Mantém o corpo prisioneiro
De uma mente perdida no deserto.
Quando bate a saudade
Não é como o sino a bater
Naquela torre da igreja
Saudade não tem hora
Bate a qualquer instante
Imprevista sem saber ao que vem.


sábado, 4 de agosto de 2012

LIBERDADE

3-08-2012

A que preço se pode viver
Se pode sentir e ter
Todo este sentimento
Toda esta plenitude
Que uns morrem para a ver
Outros matam em seu nome ?
Recuso apenas usufruir
A liberdade de pensamento
Prisioneira de cada mente
Algumas dementes
Outras arrogantes
Outras ainda vazias
Prefiro a cabeça erguida
Mesmo se para tal
Me impedirem a vida.
Recuso a arte de quem a quer
Sem olhar para o seu lado
Outro ser desprotegido
Espezinhado e marginalizado
Animal ou humano
Em que tão distantes estão
Os actos e gestos solidários
Que para um a ter
Outro fica despido.
Recuso a liberdade
Que permite o maltrato
De outro igual rico ou barato
Recuso a liberdade
Que dentro de casa
Ousa infligir a face o corpo
A mente ou a dignidade
De quem quer que seja.
Recuso a liberdade
Do desprezo e desconfiança
Que humilham e desvalorizam
A grandeza doutro ser.
Liberdade é amor
Como o amor é liberdade
De dar e aceitar
Aquilo que se é
E aquilo que se quer ser
Livremente num todo.
A liberdade tem um espaço
À minha e à tua volta
Que não ouso tocar
Pelo respeito do teu espaço
Do teu tempo e do meu.
Mas sou livre de sonhar
Sou livre de discorrer
De contradizer
E de contrariar
Sem perder a liberdade
Da minha paz de espírito
Se a razão de outra voz
O interesse não merecer.
E sou livre de correr
Pelos prados e planaltos
Por montes e vales
Saborear os salpicos frescos
Que saltam na praia estendida
Trazidos pelo vento e pelo mar.
Liberdade rima com responsabilidade
De ser acompanhada
Por gestos e actos
Que a definem mais que a palavra.
Liberdade rima com vontade
De fazer o pino na rua
De subir àquela árvore
Ou rir às gargalhadas
Sem receio da crítica mordaz.
A liberdade respira-se
Bem cá dentro de nós
Está na alma e no sangue
Que corre e dá vida
Livre de si mesmo
De seus medos e anseios
Solta-se por vezes em prantos
De lágrimas sofridas que explodem
Em dores e lutas inglórias.
Mas vale a pena o suor
Para que a liberdade
Não seja uma palavra vã
Limitada ao meu ser.



quarta-feira, 1 de agosto de 2012

PEDRA PRECIOSA

01-08-2012

Por entre as águas calmas do rio
Onde os golfinhos correm sorrindo
As pedras rolam e desenrolam
Ao sabor da corrente sem ondas
Em bonança serena como dois braços
Que se abrem de mãos estendidas
Convidando à vida e à vontade
Espraiando-se nas margens estendidas
Largando areias e pedras soltas
Que vão ficando ao ar resistindo
Formando um caminho, um oásis
Onde pés descalços repousam
Sentindo e calcarroeando as pedras
Como suave manto de veludo.
No meio das pedras e seixos rolados
Uma brilha resplandecente e viçosa
Em tons lindos e coloridos
Combinados entre si a preceito
Num arco-íris sob o azul que a cobre.
Delicada, doce e formosa
Esta linda pedra preciosa
Tem nela uma vida constante,
Vira e revira num frenesim
A tudo e todos acode sem fim.
Suas faces e linhas torneadas
Não precisam mais ser polidas
Antes cuidadas e mimadas,
Com a delicadeza própria dum ser
Que tem no rosto um sorriso
Largo, alegre e desprendido
 Que ri, dança e corre
Que impede uma lágrima teimosa
De soltar-se de seus olhos.
Sim, tem vida e tem olhos
Esta pérola, rubi ou opala,
Como duas pequenas azeitonas
Rasgadas e semi-cerradas
Quando o cansaço a toma,
Tão dengosa e doce que fica,
Que terna imagem se torna,.
Pelo rio se solta e desprende
Corre pelo oceano adentro,
Dando a volta à enseada
Torna a surgir esplendorosa,
Dando à vida alegria e sentido,
Que duma pedra tão preciosa
Se  transforma numa bela jóia
Tão natural e maravilhosa,
Na simplicidade de sua grandeza.


segunda-feira, 16 de julho de 2012

BOM GOSTO

16-07-2012

De paladares finos ou burgessos
Todos saboreamos o mesmo prato
Uns mais apaladados outros menos
Mas os condimentos são iguais.
Como em tudo o que se nos depara
À vista desarmada ou na subtileza
De detalhes e pormenores
Que só alguns os descortinam
Pois a beleza do que se vê 
E do prato
Está na forma como se olha 
E no trato
Que num gesto subtil
Ou num olhar atento
Marcam toda a diferença.
Onde sorrindo vejo o belo
Outro sisudo vê um simples traço,
Quando aprecio e acho lindo
As rugas dos rostos de gentes,
Marcas de uma vida vivida,
Outros vêem apenas a idade
Que não aceitam e desvirtuam.
É saboreando os pedaços de vidas
Que na minha co-existem,
Porque assim as quis à minha volta,
Que vou refinando o meu gosto
Deliciando-me dos momentos de requinte,
Que não são dados pela opulência
Ou pelo glamour de luzes e lantejolas,
Mas nesse simples gesto de atenção,
Com que tratas as tuas flores
Ou no meu jeito de abrir a porta,
Ou de alinhares o cabelo solto.
Na forma simples e certa
Com que combinas as cores
E eu discretamente reparo nesse toque
Sem nada dizer no momento
Não são coisas de se dizer em qualquer altura.
O sorriso sentido,
O riso contido ou claramente solto
O olhar que fecha os olhos,
Atentos ou sonolentos
O apreciar de uma simples folha
Que cai de uma nogueira
Ou até uma parreira,
E vê não um mero pedaço da natureza
Que vai acabar por morrer,
Para voltar a viver,
Mas o sublime detalhe de que é feita,
Suas cores e textura,
Sua leveza em cair.
São esses momentos em que paramos,
E ficamos a olhar deslumbrados,
No silêncio de uma tarde ou manhã,
Que me marcam o bom gosto,
Pela simplicidade da vida,
Na sua beleza e correr natural,
E me transportam no sonho à noite
E vivê-la de novo quando acordo.


quarta-feira, 11 de julho de 2012

QUE NÃO ACORDE

1-07-2012

Que não acorde um dia
Olhando para trás e ver
O vazio do nada que ficou
Duma vida faz de conta
Oca de sentido, de parecer
O que por palavras nunca foi.
Que a imagem que perdura
Do ser maduro que sabe
Tão bem estar entre os seus,
Não se perca no horizonte
Da tentação e vaidade
Dessa sedução que alimenta o ego.
Que não embriaguem os elogios
Que um corpo sedutor
Provocam em seu redor
Que não sirva de troféu
De abjectos e marialvas
Que só as intenções lhes dão condição
Nem que se satisfaça pela procura
Que depois de alcançada
Perde o fascínio e fulgor.
Que sua palavra seja uma
E não escrita entrelinhas
Oculta ou ambígua
Os sentimentos não são jogos de palavras
Mas o sentir da alma íntegra
Que não sejam máscaras expostas
Que ocultem a dor e os medos
Que ofuscadas pelo brilho
Cubram artificialmente suas carências.
Que a grandeza dos seus valores
Não cegue pelo deslumbramento redutor,
Que seja feliz apenas
Na memória do que mostrou ser.

PALAVRAS COM VERDADE

02-05-2012

Durante as noites quebradas
Lembro o rosto da sua sua imagem
Lembrança de esperanças trocadas
Na memória  fresca como uma miragem
Minha palavra segue seu rumo
Na verdade dos sentimentos
Que p’la sinceridade tanto lutou
Mas na integridade é vivido.
Para lhe livrar de qualquer culpa
Assumi como minha toda a culpa
Para seu espirito libertar
E sua ansiedade conter
Não por altruísmo
Não por obrigação ou vaidade
Mas pela verdade do meu sentir.
Palavras que em si de repente mudaram
O seu sentido e compreensão
Que sem saber como se conjugavam
Procuravam enfim justificação
Novos horizontes se abriram
Numa ansiedade descontrolada
De sangue quente que corre
Para querer tudo para ontem
E  querer tudo a seu jeito
No seu tempo que nem sabe.
É na procura que se satisfaz
No encontro perde o sentido
Em estereótipos e conceitos
Querendo tudo sentir
Nada acaba por sentir
Senão a volúpia deslumbrada
Nessa vida constrangida
Teima em prosseguir
Procurando resultados diferentes
Na mesma forma de agir
Sofrendo continuamente
Numa ância tremida
Procurando nos outros
O que em si deve encontrar
Porque em si não se queda.
Numa vontade antes partilhada
Com transparência se erguiam
Mudou-se o tempo do nada
Sem nada dizer disse tudo
Pelas palavras sem jeito trocadas
Como num golpe confuso e profundo
Subterfúgios e teias sorteadas
Manobras e artes de diversão
Sem nexo ou casualidade.
Tão simples afinal a verdade
Porque substituem a lealdade
E a frontalidade da amizade?
Não pelos outros nem por nada
Apenas pelo valor em si impregnada
Passando das palavras aos actos
Da ilusão de um sonho à realidade.
Não são os sentimentos que magoam
Mas as atitudes que se apregoam.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

CÍRCULOS QUE SE TOCAM

05-07-2012

Não prevendo na lógica
Ou na metáfora dos números
Vamos percorrendo no tempo
Desta passagem pela vida
Caminhos e percursos próprios
Cada um seguindo seu rumo
Criando geometricamente à sua volta
Uma imensidão de momentos
Gentes e ocasiões num espaço
Como um circulo se alargando
Ao longo do tempo passando
Uns se afastam sua vida constroem
Criam-se laços em cada círculo
Que em algum instante ou imprevisto
Se desfazem ou se cruzam
E ao longo de rectas e curvas
O reencontro há muito perdido
Ou o encontro por acaso
Destino fortuito ou marcado
Os círculos por cada um desenhados
Se tocam num ponto num momento
São comuns e coincidentes
As gentes e as ocasiões
Os amigos ou conhecidos
Em espaços passados presentes
E amigos se reencontram
E amigos de amigos que curioso
Lembrando histórias e vidas
Que desconhecidos ou conhecidos
Os círculos dos comuns partilharam
Identificando os percursos de uns
Como se fossem seus e de todos
É assim que de repente o mundo
Com rostos em novas janelas
Se torna uma aldeia campestre
Onde todos se conhecem e reconhecem
Alargando mais o círculo
Quando depois de tanto tempo
São mostrados os valores
São equacionados os princípios
E se reconhecendo a fórmula
Como em osmose se fundem
Ou numa chama se volatilizam.
É assim a maravilhosa dança
Dos círculos mágicos que se tocam.

.

terça-feira, 5 de junho de 2012

CAMINHO NO DESERTO

04-06-2012

Como caminhante num deserto árido
Seco e sedento de seiva
Meus passos vão deixando
Lenta e pacientemente
Pegadas soltas e profundas
Como uma paixão ardente
No calor tórrido e abrasador
Que queimam meus pés cansados
De tanto percorrer procurando
Outras pegadas esperando
Por uma gota de água
Uma sombra
Onde poisar e refrescar
Meu corpo e minha alma
Ávidos do colo que suspiram
Daquele corpo maravilhoso
Daquele sorriso que seduz
Daquele olhar que me embevece 
Me encanta e enfeitiça.
Caminho lentamente pelo deserto
Onde passos se descurtinam
Passos que tropeçam
Passos que recuam e bloqueiam
Compreensivelmente
Num sentido e destino por vezes vazio.
Já me encontrei num oásis
Nesse paraíso me quedei
Bebi avidamente do mel
Saciei a sede por momentos
Como numa alienação perdida
Imaginando se era sonho
Provei e bebi era real esse maná
Podia continuar a saboreá-lo.
Como se de uma miragem se tratasse
Se esfumou a fonte que o alimentou
De novo o deserto presente
Caminhando errante sem rumo
Uma sombra ligeira se manteve
Mesmo noutro sentir de si
Como um refúgio temporário
Onde por um milagre qualquer
Um rouxinol me acompanhava
Cantando suas doces melodias
Sob o luar que nos cobria
Como aquele que alumia os amantes
Em noites encantadas partilhava
O rouxinol alegre cantava
E eu soletrando suas canções
Parecendo uma suave companhia
Me trazendo de novo o aroma
Não saboreado mas arejado
Numa sinfonia completa me levava
E com alegria lhe presenteava
Pedaços de asas e sonhos
Que só o rouxinol os conhece.
Mas a noite caiu rápida
Fria e desconcertante
Quando o dia despontou
O rouxinol impaciente
Bateu asas e voou
Sentindo que era hora
De sua liberdade procurar
Quedando-me eu de novo
Perdido e confuso na areia
Desse deserto seco e árido
Procurando no horizonte vasto
Vislumbrar se na linha do meu
Um ténue traço se cruzava
Com seu esvoaçar perdido
Procurando vozes e sorrisos
Que lhe encham o peito de alegria
Vai e vem o rouxinol
Pousando nos ramos saltitando 
Me lembrando sua presença
Harmoniosa e graciosa
E eu sorrindo lhe amparo
Dou minha mão estendida
E flores que guardo em mim
Que como por artes mágicas
Vão surgindo do meu interior
Procurando que as pétalas que espalho
Suavizem suas doces e leves penas
Dando luz e calor em seu caminho
Mostrando meu sentido e colorido
Umas vezes parecem adornar
Seu percurso seu esvoaçar
Outras parecerão indiferentes
Talvez na forma ou no gosto
Não sei
Talvez o malmequer me diga.
Neste meu deserto mágico
Onde existe um jardim real
E pedaços de sonhos sonhados
Rego todo os dias minhas flores
Minhas árvores que dão sombra
Não sei se o rouxinol as quer
Não quero que de tanto as regar
Afoguem seu canteiro
No seu vai e vem intermitente
Que entendo seu desnorte
Sua vontade e sua prisão
Que quer voar procurando
Procurando e rebuscando
Por entres rios e ventos revoltos
Voltando ao porto de partida.
Sei o que sentes rouxinol
E me emociono com teu sentir
Continuo meus passos neste deserto
Seguindo em frente no calor
Que por vezes me confunde
Com seus raios de sol
Que se abatem sobre mim
Fulminantes como setas pontiagudas.
Neste caminhar errante
Perdido de algum sentido
Timidamente lhe alvitro
Se quer minha companhia
Minha mão meu desvelo
Continuo meu caminho
Pelas areias do deserto
Pisando e calcorreando
Esperando por alguma gota solta
Saboreando na secura do sol
O fel amargo e salgado
De meus lábios gretados.
Olhando no horizonte perdido
Onde linhas se cruzam e descruzam
Que por vezes são coincidentes
Outras parecem divergentes
Em determinado tempo
Em algum tempo se encontram.
Pois que no meu olhar sei o norte
Desse meu horizonte claro
E entendo o nevoeiro pairando
Com o calor de sol se irá dissipando
Mas neste deserto que piso
Minhas pégadas continuam
Soltas e profundas
Nesse calor tórrido
Como uma paixão ardente.
Por mim não te esqueço rouxinol
Mas não esqueço de mim também
O deserto é longo e árduo
Mas meus passos largos
Claros e determinados
Sabem que para o percorrer
Leva tempo e perseverança
Das pedras faço a esperança
E compreendo seu esvoaçar
Porque do deserto se pode ter
Um paraíso eterno e fresco
De pegadas lado a lado
Se unidos no mesmo desejo
Onde não sejam pedaços
Mas um todo no seu querer
Que juntos inteiros caminham
Numa liberdade partilhada.
Se meus passos são firmes
Como um cavalo galopando
Minha determinação também
Está serena minha alma
Meu coração vive e bate forte
O deserto terá seu fim
Num suave entardecer talvez 
Pois ninguém é digno do oásis
Se não aprender a atravessar seus desertos.




domingo, 20 de maio de 2012

NA VERDADE DAS MINHAS PALAVRAS

20-05-2012


Que minhas palavras sejam sempre
o espelho de minh’alma e meu sentir
ditadas pelo sentimento e verdade
Que meus pensamentos sejam livres
sem fazer  deles argumentos
artefactos ou justificações
nem mudem seu sentido e compreensão.
Que meus gestos sejam simples
em moldar o barro fresco das atitudes
mostrem de forma clara e transparente
o carácter de quem as moldou.
Que minha força e dignidade
sejam genuínas e autênticas
naquele egoísmo saudável
de querer estar bem comigo
sem cair no abismo fácil de me tornar
egocêntrico e o centro de tudo.
Que minha estima e orgulho próprio
não se tornem vaidade e soberba
do que não sou e quero parecer
apenas e tão só aquilo que sou e tenho
de olhar no espelho e acreditar no que vejo.
Que minha diferença e a dos outros
seja amável e complacente
não por agrado nem arrogante
antes em aceitar e tolerante.
Que meu lado e sentido carente
seja fruto natural de colo ausente
e nunca  por falta de amor nem capricho.
Que minhas escolhas e fazeres
não virem o valor contra mim
num vazio de sentido e inutilidade
nessa vida desnivelada e deserta
pois ela tem verdura e frescura.
Que minha hora seja na altura certa
não como eu desejo e a meu jeito
e no meu tempo que nem eu sei.
Que meus sonhos de fazer
sejam construídos sem pressa
e se hoje outras mãos me pedem
que as segure, ampare e levem
essas núvens e castelos sonhados
não se tornem cinzentos por aguadarem.
Que o que em mim me transtorna
seja por mim entendido e sentido
pois é em mim que devo procurar
a razão e o sentido do desconforto
é em mim que reside e não nos outros
ou nas circunstâncias da vida
Que todas essas emoções me segurem
me retornem ao lugar presente
de alegria e contentamento de viver!


sábado, 12 de maio de 2012

ADÁGIO NOCTURNO


12-05-2012

Não importo de estar só
quando preciso me encontar
pensar em mim e no que sou
ou não pensar em nada sequer
abraçar o mar que me afaga
sentir a brisa no meu corpo
nu estendido na areia.
Se possível
partilhado seria um idilio
mas gosto desses momentos de paz
do meu tempo e meu espaço,
como respeito o de cada um
ontem, hoje e amanhã.
Mas por vezes aqui deitado vem
esse adágio nocturno
de momentos lentos de solidão
que as horas tardam em passar.
Rodeado de amigos e queridos
e de quem todos os dias
alegra e encanta meu dia
e com deleite também o faço,
não por obrigação ou hábito,
mas por vontade de contar
as flores que colhi para lhe oferecer
assim tenho muito do que desejo,
mas chega a noite de mansinho
pela madrugada os galos cantam
sinto uma solidão atróz
uma carência que vem feroz
de partilhar o que sou
e a felicidade que em mim reside.
Contradição que não existe
é o estado de espírito que a define
contra o sentimento que fala
em determinado momento.
Tenho sonhos como todos
construo castelos no ar como criança
mas como homem quero transportar
imagino e desenho a vida e a entrega
a esse amor que tanto tenho
a essa paixão ardente e contínua
que não apenas de um momento
sempre presente e ausente
não como um dependente,
mas levá-la junto pela mão
segura pela praia deserta.
Dou o que tenho pelo que sinto
a um amigo ou a um mendigo
não de todo por altruísmo
apenas porque o coração
e o dever de estar na sociedade
assim o diz e entende
e porque a dar fica-se feliz.
Mas quando da entrega
se faz rogado o pedinte
ou tomando por tolo o benfeitor,
tudo se desfaz e se destrói
porque pede por não querer
seu próprio pão amassar
antes que lho dê na mão,
ou de mim tirar proveitos,
de uma promoção ou defeito seu.
Pode levar anos estendendo a mão
e a bater nas costas sorrindo
mas para quem a utiliza
a mentira de ontem
é de fácil esquecimento
e num ápice de contradição
a verdade logo se reflecte
em palavras e gestos se desdiz
e essa não se esquece
é tão fácil reconhecê-la
mesmo que durante anos
tivesse mostrado o contrário.
Gente cínica e hipócrita
Que para seu fim
o meio pouco importa .
Já passei por tudo isso
e tudo aprendi com dignidade
mas assim atento cresci 
e num instante transforma em cinza
o que antes era sólido,
a esses que ontem o fizeram
olho com indiferença
pela infelicidade em que vivem
eu estou bem, sigo o meu caminho.
Por isso deixei de acreditar
em certas palavras tão vulgares
que se dizem a toda a hora
mas não se sentem de dentro
e a todos as dizem.
Prefiro esperar talvez por tudo ou por nada
porque nada depende só de mim
apenas mostrar o que sou
e aquilo que tenho partilho
fazendo o que a consciência me dita.
Há quem não entenda
esse sentimento leal
e verdadeiro para comigo mesmo
e naquilo que minha alma sente
pois é com ela que eu vivo
e com ela quero estar bem
porque é ela que me comanda
e dá ordens aos meus gestos.
Podia calar a dor correndo
de corpo em corpo pulando
como tantos o fazem,
e parecem ter sucesso,
É fácil e tão simples fazê-lo
todos os dias estão à vista
no olhar e na sedução
como se fossem uma tentação
num estalar de dedos breve,
mas que a mim nada me dizem
minha carne não é fraca
nem meu coração vagabundo
e prostituir minha forma de ser
corromper meus sentimentos
por simples dóceis momentos
que transportam o enorme vazio
não faz parte de mim
não é isso que procuro
não é isso que encontrei
em momentos diferentes
outrora e no presente.
Sim, sinto-me só ou apeado
mesmo no atropelo da multidão
que na pista vai dançando
e meu pé não está talhado
ou no palco desta vida
cheia de gente perdida,
que eu não estou...
apenas só no silêncio da noite
onde o tic-tac do relógio
lembra o tempo passado
de todos os tempos que se vivem
que num tic diziam que sim
e num tac diziam que não
numa hora faz que pede
noutra afasta e rejeita.
Não,
não tenho a sombra de um lado
e a luz do outro
nem penso hoje como um anjo
e amanhã como o diabo,
Sei seguro o que quero
tanto de manhã como à noite
sempre com a mesma clareza.
Não tenho em cada ombro
ou no interior de mim,
como muitos que conheci,
duas figuras de retórica
que lhes tolda a mente.
A minha palavra é sempre a mesma.
Se dou é porque quero
a quem o merece receber
porque também recebo
de outros que me dão.
Não sou mártir ou santo,
para altruísmos pregar
sou pecador como humano
sinto os mesmos cheiros e desejos.
Só a solidão que  sinto agora
não tenho como trocar!
Mas logo é de manhã
rosas irei colher do meu jardim
e entre elas respirar
o doce cheiro do jasmim.
Novas esperanças renascem
A vida merece ser vivida
e sorrindo-lhe ela me dará
seu seu sorriso de volta.
Num alegro e andante ritmo,
subtil e afectuoso,
o adágio nocturno não passou
de um momento da peça.



domingo, 6 de maio de 2012

MINHA MÃE

06-05-2012

Com as tua dores
me pariste e vi a luz
naquele dia num moinho
rodeados de mato e senzalas
foi o teu sofrimentos afinal
que me fez crescer e o que sou
foi pela tua mão chorando
que no primeiro dia fui aprender
as letras e os círculos da vida
tuas lágrimas vi correrem
pelas vezes que meu sangue jorrou
de joelhos esfolados e testa quebrada
de brincadeiras de crianças
reprimendas e educação recebi
de preocupação e amor de mãe
dádivas foste espalhando
em mim e nos meus frutos
assim fui aprendendo
e pelos anos foram passando
retalhos da minha vida
ânimo teu sempre acolhi
compreensão e carinho recebi
mesmo quando como dizias,
“quem não arrisca não petisca!"
e quando não corriam como esperado
prontamente respondias
“o que não tem remédio
remediado está”!
foi sempre assim que te vi
herdei de ti esses genes
viver a vida com alegria
entrega e devoção por bem querer
amar quem se ama sem olhar para trás
olhar em frente sorrindo
de cabeça erguida sempre
que o melhor está para vir.
ao pé das tuas as minhas dores
não foram mais que queixumes.
Toma a minha mão e firme segura
é o menino feito homem
que te leva mãe-criança!
um beijo enorme para ti


sexta-feira, 4 de maio de 2012

A CABRINHA QUE DESCEU DA SERRA

03-05-2012

Cabrinha nascida na serra
que por entre caminhos e pedras
pequenina e muito mimosa
pulavas e saltavas radiante
ora subindo as altas escarpas
ora num ápice descia ao ouvir
o toque do rancho ou do colo
que em sopas e migas à lareira
te cuidavam e mimavam
era rápido e lesto o repasto
querias avidamente os vales correr
numa ância alegre de viver
que ainda hoje faz de ti ágil.
Pulaste de montes e horizontes
teus caminhos feliz percorreste
crias deliciosas geraste e amamentaste
e novos frutos foste ensinando cabrinha
teu balir feito sábio,
teu olhar, tua vivência e teu exemplo
teu valor se fizeram respeitar
no pasto livre que tanto gostas
por isso és admirada e encantas
outros que como tu nesse verde prado
vão partilhando a mesma erva
bebendo da mesma seiva
e à tua volta rainha se agregam
admirando e se alegrando
da cabrinha ver chegando
altaneira e de olhar cativo
ora matreiro ora sedutor.
Em teu balir como um canto
suaves melodias vais trauteando
fazendo erguer de encanto
o olhar e os ouvidos do cavalo
com sua crina grisalha ao vento
ou ao touro bravio que se sustem
escutando embevecido teu chamamento.
Não só nas serras e nos montes
se detém traquina a cabrinha
lhe dá prazer junto com os outros
pular, saltar e bailar
como uma criança travessa
que alegremente joga ao eixo.
Peculiar esta cabrinha
pela praia procura o mar
por ele se deixa encantar
procurando como uma gaivota
pulando bem alto para a agarrar
voar nas asas do vento
seus sonhos e caminhos encontrar
para um porto seguro remar.
Tem um dom esta cabrinha
que o usa quando quer
pelos seus encantos e feitiços
como por artes de magia
em sereia se transforma
seduzindo com seu canto
seus olhos feitiços lançam
a quem por ela passa de dia
mas à noite como por encanto
volta a cabrinha a cobrir
seu manto de pele e veludo.
Foram dias foram anos
que a cabrinha foi conquistando
o tempo lhe deu sabedoria
mas a beleza sempre em alegria.
Continua doce cabrinha
a pular e a saltitar
teus olhos a cintilar
num constante pestanejar
risos e sorrisos vais deixando
teu perfume a jasmim exalando
num suave aroma no ar
nos nossos verdes campos espraiar.


quinta-feira, 3 de maio de 2012

ENCURRALADO

03-05-2012

Habituado à liberdade do espaço
Do próprio ar que fundo respira
Sente-se o touro no seu pasto rodeado
De cercas e estacas aprisionado
Tal como o cavalo ainda ontem corria
Livre ao vento pela sua pradaria
Sente o seu âmago encurralado.
É um tempo transitório
Definido pelas circunstâncias
De outros mais velhos e débeis
Do touro e do cavalo precisarem
Que só o tempo e a determinação
Podem cumprir sua obrigação.
Destemido em sua própria índole   
Amantes dos horizontes e verdes pastos
Querem o touro e o cavalo sentir
De novo esse contentamento
De correrem e de sentirem
O ar respirarem
E o mar abraçarem
Desocupados e encurralados
Atentos a nada a outros afectarem
Aproveitando a noite em que sós
Podem discorrer em liberdade
Por sonhos, pensamentos e desejos
Que sem pressa se transformem
Em doce e suprema realidade.
Ambos têm força e porte
De crina ao vento levantada
Ou pelo fogo que pelas narinas deita.
Que levem horas ou dias de faina
De amarras, sufoco e sacrifício
A breve trecho hão de concluírem
As suas obrigações e devoções
Fainas projectadas hão de criar
Para darem sentido ao tempo
Para de novo sentirem o vento
O ar da liberdade e movimento
E partilhá-los alegremente
Sem outras pressões nem cercas
Que apenas as do sentimento
Sem pressa das horas e do tempo 
Com quem semelhante a ele preza
Os mesmo sentidos e emoções.


terça-feira, 1 de maio de 2012

PALAVRAS EM FLOR

01-05-2012

Há palavras que voam no vento
E há palavras que por desnorte
Por sentimentos alheios
Como espinhos cruzados
Magoam quem as sente
Sente culpa quem as lançou
Mostrando o que não se é
Mesmo que o sentido
Não fosse o que seguiu.
No labirinto do entendimento
Vêm dúvidas e questões
Esquecendo o que antes
O calmo cristalino conheceu.
Pára mente desordenada
Volta a alma serenar
E a ti mesmo perdoar
És cavalo que em trote caminha
Não tomes o freio nos dentes
Lança mão aos teus dotes
Transporta o que sabes fazer
E resolve o teu caminho!

O mar bravio se acalma
Dá lugar de novo à bonança
Voltam as palavras doces
Ditadas pelo coração
São mimos, são ternuras
São mensagens sentidas
Pela alegria e prazer
De quem as volta a repetir
Todos os dias são diferentes
São sempre novos os momentos
Sem lamentos nem tormentos
Com o sorriso matinal
Não precisam remetente
Toma e segura doce dama
Esta rosa que te dou
Que sequem os pingos de chuva
Vê que tal como tu, o quão bela ela é 
E todas as manhãs feliz
Com a alegria de tas poder dar
Colherei sempre uma nova flor
Daquele meu jardim encantado.




sexta-feira, 27 de abril de 2012

CHUVINHANDO

26-04-2012

Não são tormentas nem tempestades
Não alagam nem afogam
São bátegas que vêm e vão
Umas vezes deixam outras não
O sol brilhar e aquecer
Molham e deixam rasto
É um momento continuado
Que ao longo do tempo discorre.
Nos campos sacia a sede,
Florescem as árvores, crescem os rebentos
Abrem as rosas recolhem-se os pardais
Mesmo a destempo vem a tempo.
E na alma essa chuva miudinha
Não provoca descalabros nem desatinos
É um lágrima ou são mil que escorrem
São momentos que sem lamentos ocorrem
É a tristeza que vem sem saber
Vai e volta ao sabor do vento.
É o estar só no Rossio cheio de gente
Até encontrar aquele velho amigo
Que de contentamento nos quedamos
Logo se esquece essa chuvinha molha tolos
Que tanto arrefece e nos tolda
Como se a luz do sol de repente
Por entre o cinzento das núvens e das lágrimas
Voltasse de novo a sorrir e apetecer cantar e pular.
Logo mais à despedida quando a noite chegar
Já com as flores a descoberto e o fruto encarnado
Não se recorda nem se vislumbra
Nem pingo de chuva ou dos olhos
A saia, o véu e o casaco secaram
Os olhos secaram e voltam a brilhar.
De novo a terra fica pronta a trabalhar
E o coração ritmado a funcionar
Foi assim chuvinhando no tempo
Que deu afinal alimento e alento,
Deu vida ao pasto seco e sedento
E alívio àquela rajada de alma triste.


quarta-feira, 25 de abril de 2012

25 de Abril – É agora

Nessa manhã revolvida de Abril
De sonhos e alentos perdidos
Uma menina seus olhos despertou
De espanto
Incrédulos
Surpreendidos
Seria verdade,
Seria sonho
Que finalmente dessa longa noite
Escura como o breu,
O pesadelo de podre tombaria?
Correu pelas ruas não mais desertas
Não cinzentas como no outro dia
Mas cheias de alegria e esperança
De um povo digno mas tão sofrido
Um mar de gente se juntava
Abraçadas sem se conhecerem
Unidas na mesma vontade e desejo
De cantar e sentir a liberdade
Tão presa e tão oprimida
Trazida pela coragem e generosidade
De soldados filhos desse povo
Conduzidos pelos ramos de um Salgueiro
Ao abrigo e à sombra de uma azinheira
De contente e embriagada
Pela sofregridão desejada e sentida.
A menina pulava e ria
Seus caracóis ao vento esvoaçavam
Descalça pela calçada procurava
Um presente uma dádiva
Um gesto de gratidão
Para que nos canos das espingardas
Não troassem balas nem fogo
Mas o amor e a paixão
que entre todos se partilhava.
Não foram rosas nem cardos
Foram cravos que encontrou
Colheu, ergueu e colocou.
A menina foi crescendo desenvolta
Excessos alguns dizem que cometeu
Próprios da adolescência e juventude
Que esperavam de uma criança
Que viveu anos a fio oprimida e reprimida?
Mas foi por entrega e por bem querer
O bem dos seus como a si mesma
Piores os devaneios calculados
de corruptos e instruídos.
Foi lutando foi experimentando
Ora à esquerda ora à direita
Nas promessas de uns acreditando
Nas vãs ilusões de outros perdida
Não é esse o sentido e o caminho
Duvidava a criança confundida
olhando o rumo tomado
Era em frente que queria seguir.
Tornada adulta a doce criança
O amargo de tantas desilusões
Foi tornando a sentir no sonho perdido
Da liberdade, dignidade e do seu próprio pão
Não são apenas os direitos adquiridos
Que de novo corvos e vampiros tomaram de assalto
São não mais nem menos
Que a recompensa acordada do seu esforço
Do seu trabalho e sua justiça
Árduamente feita ao longo dos anos
Que quem devia não soube gerir.
Ó criança que tanto cresceste e viveste
Onde páras neste momento?
Estarás esquecida como tantos
Dessas promessas de Abril
Acomodada pelas opulentas regalias
De costas voltadas aos seus
Ou estarás por aí esquecida entre muitos
Perdida nesse mar sem faina
Sem esperança sem de novo olhar a luz?
Acorda criança renascida
Criança rejuvenescida
Volta a correr pelas calçadas
Faz juz ao teu nome Democracia
Pois foi no amanhecer desse dia
Que encontraste o sentido de um povo
Pega nas “armas” novas que tiveres
Dá voz à tua indignação e à tua revolta
Exalta teus brandos costumes
Cala de vez e verdadeira justiça faz
A todos os abutres que espreitam
Já não pela calada como outrora
Mas descarada e à vista.
O teu salgueiro já definhou,
Espezinhado e humilhado
Por tolos cinzentos que tudo sabem
Menos a verdadeira razão de ser.
Procura criança novos caminhos
Novas árvores onde te agarrares
Novos cravos, novas flores
Não te deixes enganar
Tens força, és guerreira.
Recupera a dignidade
Recupera o teu jardim!


sábado, 21 de abril de 2012

TIC-TAC (o tico e o teco)

21-04-2012

Há em todos nós
uns sempre
outros num alegado tempo
dois bateres diferentes
no relógio da nossa mente,
não é por defeito
mas por qualquer outra razão
que uma vez faz tic
logo a seguir faz tac,
umas vezes diz que sim
outras diz que não,
chega a noite e diz que quer,
vem o dia e já não quer,
dum lado mora o anjo
do outro logo ali à espreita
o diabo quer morar,
no meio está a tua intuição
o teu tino 
e o teu ritmo
quanto baste,
quer falar a razão
e calar a voz do coração,
mas a razão por vezes
tem razões
que ela própria desconhece,
nem a lógica a encontra,
quando digo tu
digo eu também,
habita em nós ao mesmo tempo.
nuns torna-se um hóspede,
noutros ordem de despejo,
um e outro se contradiz
lança em nós a confusão,
vem um diz que a razão chama,
outro que leva noutro sentido,
esquecendo aquele que diz
que apontando um dedo,
tem outros três que lhe apontam.
E este tic-tac permanente,
que umas vezes é favo de mel,
outras o travo do fel,
só pára e acalma,
quando o coração sentido
deixar de o medo sentir
e trocar as batidas
por outras mais seguras.
Qual deles irá vencer?
Aquele que cada um de nós
mais a fome alimentar! 


MULHER VULCÃO

21-04-2012

És pecado original proibído
de olhar fatal perturbador
que penetra fundo e embriaga
deixando em êxtase todo o sentido,
tens fogo que lavra num ardor
permanente que nos esmaga,
és lava és seiva onde escorre a líbido
percorrem minhas mãos com fervor
p’los teus montes e vales naufraga
beijos, carícias, paixão, desejo concebido
em teu corpo e sulcos faço amor
em teus olhos me enfeitiço e apaga
todo o passado e momento vivido
a tua boca e saliva troco arrebatador
meus lábios com prazer tudo alaga
soltam-se as tuas amarras e sonho prendido
conquista e liberta esse vulcão tão sedutor
perdem-se os desejos na razão que divaga
vem mulher alimentar esse fogo acendido
deixa explodir toda essa tua lava
que em ti oprimida causam tanta dor.


sexta-feira, 20 de abril de 2012

ANJO DECLAMADO

20-04-2012

Um anjo esta noite me visitou
encarnado nas tuas palavras
na tua poesia e sentimento,
poisando p’las asas dos teus desejos
dores, anseios e alegrias
me trouxe todo o teu encanto
e comigo foi ficando
num livro aberto e exposto.
Cantei-as com devoção,
sentindo em mim o teu sentir,
como se fossem minhas as tuas palavras,
que emoção que degusto,
que alma nova reencontrei,
lendo e relendo o teu ser,
no teu âmago me entranho
entendo e embalo noite adentro,
escuto tua doce e terna voz,
clamando baixinho o teu querer,
a memória que volta e revolta,
essa vontade de viver e amar,
que no tempo há-de voltar.
Ouvindo-te assim clamar,
de voz embargada fico
apenas
uma lágrima me escorre por te sentir.
Eu te acompanho eu te levo
no meu dorso e galope,
meus pastos te dou por inteiro,
minha água minha seiva te entrego,
não me cansa este correr,
é por gosto é por tudo,
que tudo faço assim.
Meu sangue é teu minha alma te dou,
outras palavras tenho de guardar,
do meu sentimento calado,
tanto desse teu querer meu anjo,
visitado e elevado,
sinto eu dentro de mim,
talvez um dia o encontres,
guardado fica no meu cofre,
o segredo fica entregue,
no outro que há em mim,
seguro e disposto na mão que dá,
que se abre e se te estende.


quarta-feira, 18 de abril de 2012

18-04-2012

Tanta gente,
tantos conhecidos
e aqueles bons amigos,
tanta família,
tanto se dá
tanto se oferece,
não por misericórdia
menos por obrigação,
apenas devoção
de tanto amor e carinho.
Não pelo retorno,
não pelo reconhecimento,
não pela glória,
não pelo conforto,
apenas porque é assim.
Corre corre,
tanta luta,
tanta dor e angústia,
mesmo por ti meu irmão,
que sofres mais que eu,
que menos tens do que eu,
do nada que sou,
um grão nesta engrenagem,
uma partícula entre tantas.
Feliz em poder dar,
em realizar sonhos,
dos que se amam e se quer,
porque às coisas e a esses,
o amor e a paixão,
se dão mesmo doendo,
só o amor dá sentido,
seja só ou unido,
sempre assim foi e será,
coração que dei e se foram,
coração e alma e tudo em mim,
que entrego e não o querem,
pois se nem o meu comando,
sonhos meus que não aparecem,
neblinas que turvam
aquele amor e aquele sol,
aquela melodia que sorri,
que tanto aquece
como arrefece.
Não é mártir, não é herói,
não é fraco nem é mole,
é forte a sua coragem,
nem à piedade se submete, 
é leal a sua dádiva
e assim vai continuar,
mas há sempre aquele momento,
não de desânimo
ou desalento,
mas tristeza de só ele lutar,
solidão no meio de tanta gente,
solidão que traz consigo,
aquele cansaço vazio,
de parar uns momentos,
fechar os olhos e adormecer,
só, 
no seu canto,
no seu espelho se olhando,
no seu leito e no seu sentir,
talvez uma lágrima saiba bem,
saber ao sal que conforta,
que alivía e transporta,
de volta ao sonho sonhar,
e um canto de novo ouvir.


segunda-feira, 16 de abril de 2012

TRAÇOS

16-04-2012

São linhas contínuas
coincidentes ou paralelas,
disformes ou conforme
desenham em papel
no ar, na areia,
círculos mágicos
triângulos obtusos,
ou quadrados
rectangulares ou escalenos.
Traços são marcas
da vida e do carácter,
dispostos também eles,
em grupos coniventes
no mesmo valor coincidentes,
ou de princípios divergentes
em ocorrências paralelas,
que se juntam no infinito;
uns não desenham,
mas desdenham,
definindo suas linhas, seus horizontes,
também eles obtusos,
quadrados ou redondos,
de traço erguido ou descaído,
conforme seguem dignos
ou do peso destruído,
aqueles de horizonte vasto,
estes de vista curta,
limitada e definida.
Todos os traços são marcantes
das linhas com que se cosem,
definem caminhos e rumos,
uns rectos outros sinuosos,
conforme as pedras no caminho,
traços em semi-rectas
que algures se desdobram
em encruzilhadas e escolhas,
outros em rectas sem fim
uns por seguirem seu destino,
outros por desnorte confusos
sem atinar a direcção
perdidos no tempo,
perdidos nem sabem onde.
De traços são ainda as linhas
que  definem a minha e a tua mão,
linhas da vida e do amor,
da saúde e da fortuna.
umas mais curtas outras longas,
onde a cigana encontra
o que o coração tanto procura,
lembrando o passado desafortunado
e o futuro sempre risonho
cheio de esperança e mais traços.
De traços bem visíveis
são as rugas do teu rosto,
que são a prova final
de que a vida valeu a pena,
são as marcas sentidas
da tanto rir e tanto chorar,
que belas que elas são,
são sinal do sentir
de coração e alma cheia,
que as vazias não as têm.
Como lembro também,
as rugas desses marinheiros,
traços da luta e da labuta,
da tez ao sol se batendo,
do sal do mar desbravado
e das horas, dias e dias
sofridos e mal dormidos,
procurando na sua lide
o sustento e a razão,
chorando lá longe no mar,
o coração em terra, que saudade.
Como as rugas por fim,
dessa camponesa bravia,
ou daquele moço franzino,
que pelas searas adentro,
desse imenso Alentejo,
vivem o trabalho de sol a sol,
de enchada e foice na mão,
ou no traço longo de uma vara,
varejando as azeitonas,
ou ripá-las por entre os ramos.
Rugas de uma vida de tantos traços,
cujo destino lhes traçaram,
por mais linhas se desfaçam,
não têm volta a dar.