domingo, 30 de setembro de 2018

Um tempo, uma flor, um fruto


Não tenho pressa, quero chegar a tempo;
Tempo de colher os frutos e flores que fui semeando,
Com vontade, paciência, labuta e entrega,
Feita grão a grão, com cuidado  e leveza,
Para que o seu fruto seja doce e suculento.


Não tenho pressa, quero chegar a tempo;
Tempo de regá-las todos os dias com alegria e paixão,
Um corte aqui, retirando as folhas caducas ali,
Que retirariam força e beleza ao que há de nascer,
Cuidando da terra que piso e limpo com amor.

Não tenho pressa, quero chegar a tempo;
Tempo de canícula  e sufocante, onde escasseia a água,
Sobra a seiva quente que corre pelo meu corpo,
E a minha boca, os meus olhos e as minhas mãos ávidas,
Preparam-se para acolhê-las num abraço, num doce colo.

Não tenho pressa, quero chegar a tempo;
Tempo de vê-la crescer lentamente, no remanso do meu jardim,
E suas pétalas ao sol douradas, como que se abrem num sorriso,
Aquele sorriso lindo, que rindo nos enche e dá alegria,
Pois a essência do seu receptáculo e pistilo é generosa e cândida.

Não tenho pressa, quero chegar a tempo;
Tempo de ver o seu porte digno e brilhante,
Que se destaca no meio do jardim, única e sublime,
Irradiando uma luminosidade que nos encanta e desvanece,
Como uma doce princesa, entre tantas a mais autêntica e radiosa.

Não tenho pressa, quero chegar a tempo;
Não, não tenho pressa, o tempo tem o seu tempo,
E a sua forma peculiar, com mestria, de dar forma às coisas,
Seguindo e fluindo o rumo natural da vida e da natureza,
Quero chegar a tempo, da apreciação da beleza desta flor.

(28 de Agosto de 2018)



quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Caminhando


Olhei pela janela, não vislumbrei teu rosto,
Nem pela porta, que bem me debrucei,
Dentro de mim sim, bem guardado está,
Com o mesmo sorriso, a mesma postura.
Escreve-se o que se sente, não o que se vê,
O que existe é ausente dos meus olhos,
Está na essência do ser, que perdura,
Nas contradições e vicissitudes da vida,
De passados remanescentes, e do agora.
Tal como a minha própria identidade,
No que sou, como soma de tudo o que fui,
Largando traços velhos, que a novos me abro,
Numa constante mudança, que será eterna,
Como a vida em si mesma ensina.
Cada um de nós é único, eu e tu que me lês o somos,
Não sou o que ninguém é ou foi, sou eu,
Com meus traços, minhas linhas, meus erros,
Não os erros de mais ninguém, só meus.
Por isso, e há muito, percorro um caminho,
De ler e olhar os outros, escutá-los,
É assim que vou saboreando o percurso,
Apreciando e bebendo a beleza, mesmo que fugaz,
Dos detalhes e pormenores simples,
Que rodeiam a estrada, as pedras e as pessoas.
Colho as flores e os frutos, que a terra me dá,
Partilhando os seus aromas com quem quero,
E o tempo passa, hoje como ontem,
O combóio já partiu, e a janela continua vazia;
Só a brisa do vento passa pela porta.
Sim, ficaria feliz se entrasses por ela, de surpresa,
Não imaginaria dizer outra coisa qualquer,
Porque meu sentir e minha palavra são só uma,
Simples, concreta e definida,
E como escrevia o poeta, uma constante da vida,
Ontem, hoje e amanhã.

(12-09-2018)