quinta-feira, 22 de março de 2012

ALENTEJO PRECIPITADO

1988

Os espíritos da languidão me perseguem,
a sonolência e a apatia se apoderam de mim,
embrenhando-me na paisagem vislumbrante
de bois pastando e ruminando pachorrentamente,
indiferentes a todo o redor,
sacudindo sincronizadamente,
ruminantemente,
insectos e dejectos
feitos de excrementos da Natureza,
tal como eu quilométricamente,
vou enchotando do pensamento
todos os fantasmas obscuros
imaginários ou reais,
que me afligem e me enjeitam
desta sociedade e colectividade que não escolhi.
É perigoso!
É terrivelmente perigoso caminhar,
assim tão junto à natureza que nos criou
e nos chama a cada momento,
conduzindo pela mão esta nave
que tanto pode atravessar
as fronteiras do espaço e do tempo,
como o limiar breve e brusco
da agonia e da morte,
por onde ela parece levar-nos
a cada esquina, a cada curva.
Bem sei que tenho um seguro de vida,
mas bem que podiam pôr um rádio no raio do carro!




SUSPIROS

22-03-2012

Os ais que me escapam,
não são queixas nem lamentos,
são suspiros de amor e afectos
que em mim vivem e permanecem, 
que sem dar conta esvoaçam,
por entre suspensos alentos.
São claras em castelo,
feito de sonhos e desejos,
que docemente se batem.
Não de areia que se desfaça,
num breve romper da onda,
mas de forte argamassa,
esculpida pela mão terna,
que se abre e se estende.
Em criança me lembro,
de queixumes e desalentos,
de outro ser querido,
das muitas dores passadas,
por de noite, lá longe, se levantar,
dos pés na água que acudiam,
à súbita fúria do vento,
movendo as pás do moinho,
era de aproveitar o momento,
no moer constante da farinha,
transformada em pão e sustento.
Esses ais doridos e sofridos,
ficaram-me na memória,
e seu exemplo me ficou,
de querer dar e lutar,
por tão bem querer e amar,
não para mim simplesmente,
mas pelos que são hoje e amanhã,
meu sonho e meu sentido,
sentido de vida e de amor.
Sim minha vida,
minha musa celestial,
um ponto algures no universo, 
são suspiros apenas,
sorridentes e serenos,
escutando teu riso e teu cantar,
de tua imagem me aflorar
em meu doce pensamento;
e todo este meu contentamento,
são como farófias que escorrem,
dentro de mim como mel,
delicioso e de fogoso sabor,
são rosas sim senhora,
são jasmins e são papoilas,
que a minha existência coloriram,
trazendo o ardente deleite,
ao meu jardim e meu paraíso.


Holocausto

1988


Mãe,
onde estás
que não te ouço,
nem consigo
ver tuas mãos.

Sinto surdez,
embora ouça,
parece que lá longe,
um rimbombar perto
de mil trovoadas.

Sinto-me cego,
embora veja
em clarões enormes,
mil cogumelos
subindo nos céus.

Não vejo nada.
Só sinto um fogo,
que queima
em meu redor
e dentro de mim.

Custa-me respirar.
Acorda-me, mãe,
não gosto deste sonho.
Mas dói-me,
já não estou a dormir.

Mãezinha,
onde estás,
não te vejo.
Só acordei agora,
dá-me a tua mão......

Não me deixes só!...


quarta-feira, 14 de março de 2012

DOCE SUSSURRAR

13-03-2012

Há noites inesperadas
que num toque de repente
levam música e magia.
Claro que tinhas de ser tu,
doce querubim azul
vinda p’las asas celestes,
a trazer essa nuvem encantada,
tornando o que seria trivial,
numa formosa noite de alegria.
Tocam trompetes e clarinetes,
acordam acordes de saxofone,
o piano toca em sintonia
canta o moço expedito
canções de nossa memória.
Sussurras-me ao ouvido
coisas simples e correntes,
mas esse teu meigo ciciar,
são odes de um lírico canto;
não importam os dizeres,
se é a cor dos ténis do artista,
se daquele par que dança,
ou da festa da companhia
que a teu lado sonolenta,
vive a noite do seu dia.
Teus sussuros me encantam
na simplicidade natural
daquele jeito do teu gesto,
tão teu tão autêntico,
num riso pequenino e travesso
que teus olhos transmitem.
Sim,
são música nos meus ouvidos,
são rosas no meu jardim,
que tua doce e suave voz
fica em mim gravada.
Ouço-a sempre que quero,
seja no meu pensamento,
ou naquele teu cantarolar
que me eleva ao sétimo céu.
Ah teus sussurros parecem
o cucurrucuco de uma pomba,
que eu todo emproado,
embevecido  vou escutando.
O corpo mexe e remexe,
os dedos vão tamborilando,
numa libertação imensa
que em mim adormecida vivia.
Já assim nasci lá no meio da sanzala,
mas foste tu a despertá-la,
para todo este contentamento,
para toda esta fortuna.
Que suspiro que ternura
navego nesse mar pacífico
de teu doce sussurrar,
dá-me mais de beber,
dessa água pura e cristalina,
desse elixir dos deuses
que dum xafariz jorra e sacia.


sexta-feira, 9 de março de 2012

AVE DE EMIGRAÇÂO

09-03-2012


Povo Amordaçado,
sim de novo amordaçado,
não das palavras e pensamentos,
mas do presente sufocado
por ignóbeis e vis traidores,
que da pátria se serviram
se prostituiram e venderam,
vendilhões subservientes
aos interesses de alguns,
não dos milhões de seres,
que compõem e partilham,
este solo sagrado,
mas doutros milhões
que vorazes e em ganância
seu juízo e senso turvam.
Creditaram sonhos e ilusões,
hipotecaram este chão,
pouco resta que a revolta,
a descrença e raiva incontida,
a fuga para quem neles acredita.
“Tira um curso para seres alguém”
que agora jaz numa moldura
sem servir para ninguém,
apenas o retrato desta realidade.
Ainda vêm cretinos e hipócritas
admirarem-se num sarcasmo,
de tal facto olvidarem,
quando seus actos e reflexos
tudo fizeram para acontecer.
O que lhes falta em humildade,
sobra-lhes em soberba.
Jovens e educadores crentes
estudaram e esforçaram-se,
com sacrifícios e desvelos
de pais que outrora emigraram,
no sonho de um dia voltar,
regressaram e aqui ficaram,
acreditando na colectiva vontade,
de um novo país,
próspero e prometido.
Jovens que seus sonhos desfizeram,
e que destruídos e desiludidos,
voltam seus olhares
para quem deles precisa,
lá longe ou algures,
onde são acarinhados,
valorizados e recompensados.
Desfazem-se de suas casas
sem jeito de as manter,
despedem-se de pais amargurados,
que já velhos é possivel
não mais voltarem a ver,
dos amigos e entes queridos,
fica a memória e a saudade,
que por entre écrans à distância,
vão revendo aos pedaços.
Pedaços arrancados dos corpos,
desfeitos por esses senhores.
Pegam nos filhos e vão,
outros futuro e rumo procurar,
não de sonhos que já aprenderam
serem apenas quimeras,
mas em condições oferecidas,
de quem bem soube gerir
todos os recursos disponíveis,
sem os utilizar noutros interesses
que não estavam orçamentados.
Já não vão os jovens aviados,
de mala de cartão na mão,
levam em pasta de executivo,
seus conhecimentos e vontade
que transportam com orgulho.
Novas culturas irão partilhar,
isentas de hábil crueldade,
onde o bem comum é regra,
e o esforço e recompensa partilhado,
por todos e não alguns.
Já não vão voltar decerto,
e seus filhos irão esquecer
este chão onde nasceram.
Não vão mais depositar créditos,
num pais que não os quis,
sobram as lágrimas e saudade,
dessas sim seremos derramados
e presenteados todos os dias.
Num país que por vontade
e proveta inabilidade,
se transforma aos poucos,
num conjunto desarticulado,
de desempregados e reformados,
de gente que a governar não soube gerir,
o esforço e trabalho de anos,
descontados a peso de ouro,
querendo mostrar que assim não é possível,
o que outros tão bem fazem.
Ide, semeai o que vos ensinámos,
mostrai ao mundo que somos,
não esses parasitas temporários,
mas pessoas fortes que sabem,
que continuam a acreditar
um dia ser possível,
pessoas que riem e que choram,
não por serem lerdos nem piegas,
mas porque SENTEM e AMAM.
Mas se fordes voltai um dia,
por favor,
com nova mente e vontade
ajudai os que cá ficam
a esconjurar e expulsar
esta reles escumalha!!


quinta-feira, 8 de março de 2012

MULHER

08-03-2012
(Dia da Mulher)

Teu nome sagrado,
de tanto olvidado,
espezinhado e mal-tratado,
incompreendido e tantas vezes
uma lembrança tão fugaz,
de um momento
de um dia num ano,
quando vives em nós todo o tempo,
desde o berço e ainda antes.
Que me deste a luz e a vida,
me deste o sangue e a seiva
com que saciei a fome e a sede,
o colo e o mimo,
me acompanhaste à escola
no primeiro dia,
amparando as lágrimas que me corriam
de sair de teu regaço.
Que choraste tantas vezes,
umas em silêncio,
outras eu bem via.
Nestes anos todos,
fui sempre o teu menino,
mesmo quando outros meninos,
frutos de teus sonhos,
por ti passaram e foste cuidando.
Ainda hoje me zango,
por continuares a tratar-me assim,
mas sei que é por carinho,
eu também te amo.
Oh mulher-mãe dos meus tesouros,
que em ti se fizeram gente,
de palmo e meio ou nem tanto,
mas cresceram e cresceram,
demos asas e voaram,
mas sempre ao ramo firme tornam,
e vós amores de meus orgulhos,
que de mim também se tornaram,
mereceis toda a ternura,
todo o afecto e alegria,
do contentamento poder sentir
partilhar e dedicar,
em novos frutos queridos,
amados e desejados.
E tu mulher que me deste,
amparo e afago,
cúmplices das minhas e tuas dores,
de tantos sonhos e aventuras,
que desfrutámos os dois.
Tanta vivência vivida,
algumas perdidas,
não se pode ter tudo,
mas valeu a pena
e com isso crescemos juntos.
Tornas-te-te mais MULHER,
e eu com isso mais Homem,
porque entendi-vos melhor,
aprendi o verbo amar,
em todos os momentos,
mesmo naqueles momentos,
de corpos entrelaçados,
do suor partilhado,
de seivas que abundaram,
em que só p'la química e a magia,
a sedução e a paixão,
me fizerem esquecer e a ti também
a noite lá fora,
o dia do outro dia,
igual ao de ontem e de sempre,
mas essas noites foram só nossas.
E tu mulher que laboras,
todos os dias há anos,
numa rotina infernal,
tudo suportas para vencer
e das fraquezas ganhar força.
Ainda tu que suportas,
tanta dor e sofrimento,
de maus tratos e violência,
não chores de mansinho,
nem às escondidas,
dá força à raiva,
estrebucha e reage,
liberta-te e foge,
leva os teus contigo
esquece que ele não é nada,
apenas um verme e peçonha.
Mas tu outra mulher que dás
sentido às nossas vidas
e à minha cheia do teu sol,
és musa do rio, do mar e dos sonhos,
irradias todo o teu ser,
não podes ter todos os predicados,
nem se quer a perfeição,
isso tal não existe,
isso seria imperfeito e sem sal,
não daria vida aos dias,
mas és autêntica assim,
transparente e cheia de mistério,
que faz parte da tua essência,
e da nossa atenção.
Tens sonhos tens desejos,
tens angústias e desesperos,
alegrias e tormentos,
medo e forças encontradas
nem tu nem nós sabemos donde.
Volta e revolta vais seguindo,
fazendo o melhor que sabes,
ser simplesmente MULHER.



terça-feira, 6 de março de 2012

VENDILHÕES E MEXILHÕES

06-03-2012

De falinhas mansas ou estridentes,
de fraque e cartola
ou farda de jardineira e boina,
com palavras doces ou arrogantes,
doutos ou ignorantes,
gestores ou sem provas dadas,
eles vendem sonhos e promessas,
quimeras e ilusões
de vida próspera e segura,
em troca de créditos e investimentos,
a gente pobre de bens
de espírito crente e obediente,
que não tomando pela mão o seu rumo,
esperam sempre por um D. Sebastião,
que envolto surja do nevoeiro,
que torne azul seu cinzento presente
e um vislumbre do seu futuro,
que se torne afinal, sua mão seu guia.
Há sempre alguém que não resiste
a usar seu expediente,
juntando á sua volta outros que tais,
pacientes e mais experientes,
que sabendo como ninguém
o culto das massas e quejandos,
os utiliza e manobra,
manipulando as palavras,
que carentes de melhor condição
vão acreditando e aclamando
e ignorando os ocultos desígnios,
vão depositando e votando,
toda a sua confiança,
todo o seu esforço e suor,
esculpindo a sua própria urna.
Quais vendilhões de templos,
como um Mandarim Chinês,
esperam pacientemente
de olhar ganancioso,
que a carne se vá decompondo,
de tanta labuta e sofrimento,
de tanto querer fazer,
e como abutres em vôo atacam
em bandos organizados,
prontos a desfrutar dos restos
que das sobras de milhões
num imenso pasto se torna.
Até quando a alma resiste?
Do nada tudo pode surgir,
do desepero o grito de revolta,
da fome a força e garra
de amassar e agarrar o duro pão.


DOCES ONDAS

06-03-2012

As ondas do mar vão-se esfumando
pela areia vai-se espraiando,
em espumas brancas de sal,
mas doces na sua bonança,
na brisa ligeira e brejeira.

Trazem a tranquilidade perdida,
numa repentina tempestade
de ventos fortes do norte,
que num ápice formaram furacões,
de despidas e expostas emoções.

Na ausência do anticiclone,
que por norma é seu controle,
deixou que as nuvens tormentosas,
de lamentos e ansiosas,
transboradassem em precipitação.

Por uma luz iluminado de novo o sol raiou
e o vento agreste amainou,
pois agora nesse mar salgado,
numa doce calma navega,
aos remos de sua barca do tempo retomou.

E vai remando serenamente,
num caminho e num sorriso partilhando.


segunda-feira, 5 de março de 2012

SE ME PERGUNTASSES MEU AMOR

14-02-2012


Se me perguntasses meu amor,
o que eu gostaria de ser,
diria que o vento seria bom.
Levar-te-ia cá de longe,
a suave brisa ao teu rosto.

Se me perguntasses meu amor,
o que eu gostaria de ser,
diria que um rouxinol seria bom.
Cantar-te-ia a toda a hora
uma doce e suave melodia.



Se me perguntasses meu amor,
o que eu gostaria de ser,
um bichinho de seda seria bom.
Teceria um belo manto
que cobrisse todo o teu colo.

Se me perguntasses meu amor,
o que eu gostaria de ser,
talvez uma gota fosse bom.
Correria veloz rio acima
a saciar tua sede e desejo.

Se me perguntasses meu amor,
o que eu gostaria de ser,
uma rosa seria bom.
Desfolhar-me-ia todos os dias
e assim abria o teu sorriso.

Se me perguntasses meu amor,
o que eu gostaria de ser,
afinal eu mesmo é bom.
E poder ver com os meus olhos
teus lindos olhos cintilando.




CANSADO

18-02-2012


Sinto-me cansado.
Cansado de tanto correr,
de persistir
de seguir,
cheio de vida,
mas cansado.
De tudo passar por mim
de não ter tempo
de olhar para mim,
de cuidar de mim,
de me amar.
Cansado até
deste meu coração,
de tanto amar
e de tanto querer
mesmo sem ter pressa.
Querer em tempos
quem não me guardou,
e por não conseguir o chorou.
Querer noutro tempo
quem não me quis,
por ter medo de me perder.
Querer agora
em tão bem querer
quem não sei se quer querer.
Porque o coração é livre
e segue sempre o seu caminho,
que nem sempre é o meu.
Que fado este meu coração,
que sofre de tanto amar,
de amar quem não me ama assim,
e de não amar quem me deseja.
Sinto-me cansado,
cansado de procurar,
de encontrar,
de me entregar,
talvez a vãs quimeras,
entre sonhos e ilusões,
de amar e desenganar,
este meu coração,
eu mesmo lho digo,
pensando assim
acalmar este meu pulsar.
Mas não,
ele não me obedece.
Ele dói e arde na ausência,
estremece
e continua atordoado
na emoção da presença.
Porque a outro nem olha,
sofre e entrega,
a quem mais sofre que ele.
E que depois de acalmar,
vai embora tranquilo.
Restam a saudade e amizade,
mas queria mais meu coração.
Meu Deus, que te falta?
Porque meu coração,
sofres tanto
e amas tanto?
Vês?
Agora estás cansado,
e estás só!
Vá,
descansa um bocado,
chora outro tanto,
logo logo voltas
e continuarás a amar e a vivê-lo.
É esse o teu destino.



sexta-feira, 2 de março de 2012

“RITZ CLUB”

1984


Vejo as sombras entremeadas
de luz e trevas,
no meio do abanar,
suave e leve,
dos corpos a dançar.

Parecem lembrar-me,
as incertezas e dúvidas
do que entre nós pôde existir.
Umas vezes os teus sorrisos,
outras teus olhares,
ambos me fizeram sonhar.

Outras vezes a tua apatia
o afastamento do teu olhar,
já não sei o que pensar,
ou o que sentir.

Não posso, isso não,
esquecer o teu abarço
e o sentir tão perto dos meus
os teus lábios maravilhosos,
que nunca chegaram a tocar-se.

Mas parece vê-los sorrindo,
como que pedindo,
os meus nos teus,
já não os vejo mais;
ou não passou de um sonho?
_________________________________

(Não, não foi sonho,
pois um dia perguntaste,
porque não te tinha dito,
mas era tarde de mais,
já tinhas ido embora.)


UMA ROSA

1-03-1984


Lá vem ela toda airosa,
correndo calçada acima,
esbaforida e desabrida
numa pressa sem parar;
de salto alto e roliça,
enrola-se o cabelo ao vento,
nem ouve a vizinha que lhe grita
“então como vai menina?”
Corre-lhe o sangue nas guelras,
de tanto ter de suar,
desde a aurora matinal;
cuidando do seu menino,
são biberões, são fraldas,
é um sono inacabado,
o beijo roubado de despedida,
um café esquentado,
uma carcaça requentada,
a cama desalinhada,
que não há tempo para mais,
nem tempo de se ataviar.
Corre calçada acima,
está quase a chegar,
o relógio de ponto,
velho e desusado ,
marca em contraponto
o ritmo e cadência
dos minutos e horas,
do tempo que vai passando,
esperando e ansiando,
de um dia a sorte mudar.
Não sabe porque corre,
para onde vai correr a vida,
apenas sabe que logo
de novo os vai encontar,
cansada e de pés inchados,
mais uma sopa aquecida,
mais uma fralda mudada,
mais um beijo fugido,
talvez sábado consiga,
agora quero despir
toda esta correria.
De tanto correr a calçada,
nem deu conta do piropo,
de dois moços esbeltos:
“olha, olha, ainda dizem
que as rosas não se mexem,
aqui vai uma a correr,
toda abotoada e viçosa”


NUNCA TANTO

1-03-2012

Nunca tanto amei  assim,
nunca tal dor padeci,
nem tamanhas lágrimas chorei
convulsivamente,
silenciosamente!
Porquê meu Deus?
Porque me deste este coração
tão dado e entregue,
tão grande e aberto,
que tanto tem esperado,
desde sempre procurado,
tanta chaga tem sangrado,
esperando teimosamente,
pacientemente,
pelo teu doce mel,
que tire este gosto amargo,
que rompa este véu agreste
e que tapa a tua visão.




quinta-feira, 1 de março de 2012

MITOS E LANTEJOULAS

1990

De porcelana
são feitos os vasos,
recortes de feitos pintados
pelos tempos lembrados
e de outros feitos,
ainda não feitos
mas já perfeitos
antes de o serem.

De porcelana
são feitos os pratos,
rasos ou de sopa,
de migas de pão
      desfeitos,
ou de duro pão
    amassado.

De porcelana
são algumas taças
                feitas,
de glórias perdidas,
ou de apostas
 corrompidas,
de carne comida
ou do osso sobrado.

De porcelana
         também
    são feitos certos tachos,
    mais fundos
      ou mais largos,
      conforme os ensopados;
    mais cebola
      ou menos pimento,
    mas todos o choram
      ao mesmo tempo.

Na porcelana
se pode cozer,
     carne fresca
         e maleável,
    em vinte minutos
          de fervura,
    ou jardineira
            liofilizada
    em pó, instantânea,
    pronta a cozinhar,
   em qualquer altura
   ou em qualquer lugar.

Há porcelanas naturais,
fortes no tempo
e na experiência,
ganhando com isso
      consistência
(e vendem-se até nas feiras).

E há porcelanas finas,
                   de luxo,
    feitas antes do tempo,
    onde lavram
               a ouro,
    palavras bonitas
       e a preceito,
    que se vendem no Harrod’s
    ou no shoping talvez.

Umas puras,
feitas de argila
        e caulino,
    prontas a ir ao forno,
    resistentes ao calor.

As outras
em marketing facturadas
                         a jeito,
mas que sem jeito
arranjam jeito
de ir a coquetéis
e eventos nocturnos,
com ditos doutos
    e professores,
que riem
    de pança cheia,
de finesse
    porcelânica,
aproveitando,
       claro está,
o timbrar paladino
        do oleiro
        maganão.

Qual se quebrará?
Só o tempo o dirá!


SAUDADE

1-03-2012
SAUDADE

Saudade é este fogo ardente
que lavra em meu peito
numa dor permanente,
no acelerar desenfreado
do meu coração apaixonado,
de voltarem meus olhos
a se deslumbrarem com teu olhar,
de meus lábios se abrirem num sorriso
tolo e adolescente
pela tua doce voz ouvir.
Que não me deixa dormir sereno,
não me deixa seguir caminho
num desassossego constante.
Saudade de poder sentir como uma carícia
teus suaves gestos de candura,
num breve toque no meu braço,
daquele pegar na mão que não esqueço
que quis tão terna e meigamente
que sentisses com fervor
e que choro por não mais ter pegado.
E não posso fazer mais nada,
não quero precipitar,
não quero te afastar,
nada mais sou do que aquilo que é,
paciente e lealmente me dispo e me mostro. 
Saudade que se torna desejo,
sonho,  vontade e temperança,
de poder um dia te mostrar,
todo esse carinho e ternura,
toda essa paixão sentida,
toda essa volúpia contida
que há em mim para te dar.
Dar todo este amor imenso,
pensado e seguro,
não roda a cabeça em incerteza,
antes a firmeza do meu passo,
de nesse dia poder finalmente,
abraçar e apertar teu corpo sagrado,
beijar teus lábios, tua boca,
longa e docemente,
saciar esta sede, este desejo,
que sei também o sentes,
não sei se da minha se de outra mais,
se quimera imaginária apenas;
beber avidamente deste cálice de amor,
saborear lenta e ternamente,
com meus lábios e carícias,
cada pedaço do teu corpo,
cada traço e sulco do teu rosto,
que com minhas mãos tomo,
para que sintas de novo
a doce fonte do prazer ,
o doce sabor do amor.
Deixa à medida do tempo,
que te conjugue o verbo amar,
que o nascer floresceu e cresceu,
desabrochou e encarnou,
na paixão e no encanto
na cumplicidade e verdade.