quinta-feira, 25 de junho de 2020

O miúdo, o velho e o tempo

Em toda a essência do meu ser
não encontro a idade ou os anos
dos que já passaram e os que hão de vir
quantos não sei nem interessa saber
apenas as memórias e o conhecimento
me lembram que já os vivi
com certezas, erros e escolhas, amores e desamores,
alegrias, dores e penas
de sucessos à tábua de salvação.

Mas a vida e as gentes, na sua vã e aparente visão
lembram-me a todo o momento
que já não sou ou é estranho ser, aquele miúdo
que cheio de alegria e esperança, se doa e se dá completamente,
seja num girassol dado expontaneamente,
como qualquer ser que se preze
e preza quem lhe despertou um amor assim
(ela que nele conseguia ser mulher e menina),
seja por viver na verdade dos seus sentimentos
próprios da inocência e pureza duma criança
e por certo enquanto viver nunca deixará
que dentro de si ele desapareça
se coíba ou se torne frio e vazio de sentimentos.

De fora fica o invólucro feito de folhas de outono
que o protegem como a uma flor ou um fruto
esperando as outras estações e tempos
e mesmo que para o miúdo seja um pormenor de somenos
que não o vê pois que tanto sente
e pela vida vivida vibra mais que nunca
outros, habituados aos padrões convencionais
ou não sabendo distinguir o que se é e se quer
o vêm já como um velho
com traços leves e finos, tão diferentes
doutros mais robustos e possantes
mas que dessa posse confundem o ser com o ter
nada fazendo por merece-las.

Não, repito que não!
Mesmo sem Ofelias ou Dulcineias
esse velho continuará o miúdo de sempre
como sempre foi desde que nasceu
e miúdo morrerá um dia
como todos os que um dia o foram
e que pela vida fora o foram esquecendo,
ou tiveram vergonha de o mostrar,
(pois que por muitos é visto como sinal de fraqueza).

E nesse dia final decerto uma lágrima lhe escorrerá
não pela naturalidade do desenlace
mas por tantos sonhos não concretizados
pelas flores que ficaram por dar
àquela que no seu coração foi merecedora de as colher
e recordar o seu rosto e leveza
pincelada em manchas de tinta
como aqueles balões coloridos à entrada do jardim.