sexta-feira, 15 de julho de 2022

Acto final

Quando chegar o meu último momento,
seja lá como derem pela minha falta,
não serei mais que um corpo inerte, mas liberto,
que já não respira, nem seu coração bate mais,
depois de tanto bater e se atormentar, 
acelerado e desritmado tantas vezes,
mas que mostrava vida e sabia sentir,
ao dar nome às emoções e sentimentos,
das de contentamento e felicidade,
às de dor, incompreensão e sofrimento,
e do muito que deixei por corrigir.

Se alguns se juntarem à minha volta,
que saibam que já nele não habito,
voei, abrindo e dobrando as asas,
guiado pelo canto das andorinhas que me levam,
sorrindo e indo de novo ao encontro
de quem tão bem me tratou e considerou;
que antes também cuidei e tentei servir,
ou algum conforto e alento procurei dar,
com aquele amor e dedicação em saber
que aliviando o peso das suas cruzes,
esquecia as dores da minha,
foram o meu propósito de vida nesse tempo que durou,
talvez numa redenção dos meus pecados,
mesmo que tal pensamento não fizesse parte da acção,
alguém que não eu, o saberá.

E nesse momento final, seja lá quantos estiverem,
não quero lágrimas, nem comiseração,
nem que sussurrem se era bom ou nem por isso,
não quero que digam que era porreiro,
já não mais me poderão dar pancadinhas nas costas,
nem o abraço que ficou por dar,
não quero saudades nem que sintam falta,
que já não há remédio nesse momento,
muito menos que pensem nos "ses",
do que foi ou poderia ter sido,
quando saírem já seguiram em frente,
será o momento do ponto final, apenas,
sem vírgulas, exclamação ou reticências.

Quero, se se lembrarem, de risos e alegria,
de música, muita música a tocar,
desde a clássica ao "rock & roll",
não esqueçam dos blues por favor,
quero que os acordes do "greensleeves" soem,
a que cantarolava aos meus rebentos,
embalando-os e adormecendo ao colo, feliz,
e assim me embale a alma na viagem,
como quando os levava às cavalitas aos ombros,
e tantas outras cumplicidades.

Já sei que levarão flores, não faz mal,
também sempre gostei de as levar,
se forem uns lírios da paz, seria bom,
e quero que as minhas cinzas,
juntas com a terra da aldeia que me viu nascer,
sejam espalhadas na foz do rio,
que sejam levadas pelas correntes aos oceanos,
correndo o mundo e os lugares que ficaram por conhecer.

(15-07-2022)